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De Burnout no Brasil a Fundadora de Comunidade na Austrália: A Virada de Mari

Luisa PessoaLuisa Pessoa
10 min
De Burnout no Brasil a Fundadora de Comunidade na Austrália: A Virada de Mari

Ela estava presa no trânsito do Rio de Janeiro. Uma hora. Às vezes mais.

E sabe o que a Mari fazia pra aguentar? Parava de beber água. Assim não precisava parar pra ir ao banheiro. Assim não perdia tempo. Assim conseguia visitar mais clientes, bater mais metas, entregar mais resultados.

Parece loucura? Era a vida dela na Ambev.

Acordava às 5h, tomava um café preto, entrava no carro às 7h e só voltava pra casa às 22h. Mal comia. Mal respirava. Vivia no piloto automático — aquele modo em que você faz tudo, mas não sente nada.

Até que um dia, arrumando as malas pra se mudar de cidade, ela encontrou umas folhas antigas. Nelas, três metas que ela tinha escrito dois anos antes: melhorar o inglês, desenvolver a oratória, criar uma mentoria para mulheres.

Duas palavras resumiam aquele papel: nada feito.

Foi o estalo. O momento em que Mari percebeu que estava vivendo a vida de outra pessoa. Correndo atrás de metas que não eram dela. Sacrificando saúde, tempo e sonhos por uma carreira que a consumia por dentro.

E foi ali, naquele instante de confronto consigo mesma, que tudo começou a mudar.

"Até Quando Vamos Adiar Nossos Sonhos?"

A virada de verdade veio com uma pergunta. Simples. Direta. Devastadora.

Mari e o marido, Dani, estavam presos em Curaçao. Uma viagem de 7 dias que virou 21 por causa da pandemia. Sem previsão de volta. Sem controle sobre nada. Só eles dois, o mar e muito tempo pra pensar.

Foi nesse cenário improvável que Dani olhou pra ela e perguntou:

"Até quando a gente vai adiar os nossos sonhos por conta de cargo, salário e status no Brasil?"

Mari sentiu o peso daquelas palavras no peito. Ela sabia a resposta. Sabia há anos. Só não tinha coragem de admitir.

Respondeu sem hesitar: "Eu topo. Mas só se for pra Austrália."

A Austrália não era um destino aleatório. Em 2016, Mari tinha passado um mês sozinha no país. Mal falava inglês — um irlandês chegou a dizer que ela falava "como um robô". Mas algo aconteceu naquela viagem. Uma conexão inexplicável. Uma certeza que ela guardou no coração por anos.

"Quando eu voltei pro Brasil, falei: a Austrália é meu lugar no mundo. Vou juntar dinheiro e fazer tudo que for necessário pra um dia voltar."

Seis anos depois, presa numa ilha do Caribe por causa de um vírus, ela finalmente teve coragem de transformar aquele sonho em plano.

Janeiro de 2022. O planejamento começou. Setembro do mesmo ano, Dani embarcou primeiro pra começar o MBA. Mari ficaria mais um mês pra resolver as últimas pendências.

Só que a vida tinha outros planos.

A Cirurgia Que Quase Cancelou Tudo

Semanas antes de embarcar, Mari decidiu fazer um check-up completo. Coisa simples, pensou. Só pra chegar na Austrália com a saúde em dia. Afinal, ela sabia que o sistema de saúde lá funcionava diferente. Melhor se prevenir.

Os exames de sangue vieram perfeitos. Tudo certo. Até que chegou a vez do ginecológico.

A médica fez uma pausa estranha durante o procedimento. Pediu pra Mari ir a um laboratório específico fazer um exame mais profundo. No laboratório, enquanto acompanhava tudo pela telinha, a técnica soltou uma palavra que gelou o sangue dela: biópsia.

Uma semana depois, o resultado: inflamação no colo do útero. NIC 3 — o estágio mais avançado antes de evoluir pra um câncer. Completamente assintomática. Silenciosa. Traiçoeira.

A médica foi direta: "Você não vai mais pra Austrália. Precisa de cirurgia de emergência e repouso absoluto por pelo menos um mês."

Mari ouviu aquilo e sentiu o chão sumir.

"Você não tá entendendo. O sonho de morar fora tem 6 anos. Ninguém pode tirar esse sonho de mim agora."

Mas não tinha negociação. Não tinha jeitinho. A realidade era aquela: cirurgia ou risco de câncer.

Ela passou por um processo de negação primeiro. Buscou segunda opinião. Terceira. Todas confirmaram o mesmo diagnóstico. Não havia escapatória.

O Dani embarcou sozinho. Uma semana depois da cirurgia dele, ela estava numa mesa de operação em São Paulo, sem plano de saúde — tinha pedido demissão do Nubank dias antes —, pagando tudo do próprio bolso.

E sabe o que ela fez? Mudou a perspectiva.

"Eu resolvi confiar no universo. Aquele mês extra virou uma oportunidade de ficar mais tempo com meus pais. De me preparar melhor. De chegar na Austrália com uma consciência diferente."

O médico deu três recomendações pra vida toda: regular as emoções e gerenciar o estresse, praticar exercício físico regularmente, e cuidar da alimentação. Conselhos que ela transformou em pilares da nova vida que estava prestes a construir.

Do Zero em Adelaide — Sem Inglês Fluente, Com Coragem de Sobra

Quando Mari finalmente desembarcou em Adelaide, não perdeu tempo.

Na segunda-feira seguinte à chegada, já estava fazendo entrevista de emprego. Na área dela. Marketing. Coordenação. Liderança.

Detalhe: sem inglês fluente.

A primeira entrevista foi um desastre memorável. Era em grupo — ela, uma tailandesa e mais uma pessoa. O entrevistador falava, falava, e Mari não entendia absolutamente nada.

Sua estratégia de sobrevivência? Ouvir a resposta da tailandesa, captar uma ou duas palavras, e emendar com alguma coisa que fizesse sentido.

"Eu queria um buraco no chão pra enfiar minha cabeça. Saí de lá arrasada. Mas pensei: se eu não começar agora, nunca vou me sentir preparada pra começar."

Ela aplicou um conceito que conhecia do mundo corporativo: o MVP — Mínimo Produto Viável. Em vez de esperar ter o inglês perfeito, a confiança inabalável, o currículo impecável, ela decidiu começar com o que tinha. Imperfeita. Vulnerável. Mas em movimento.

Foram 7 processos seletivos. Mais de 7 entrevistas. Muitos nãos. Muita rejeição. Muita vontade de desistir.

Em 15 dias, conseguiu o primeiro emprego como coordenadora de vendas e marketing.

O segredo não foi talento extraordinário. Foi coragem. A coragem de dar a cara a tapa. De errar em público. De aprender com o carro andando.

"Eu não queria ser apenas a Ferrari. Eu estava disposta a passar pelo skate, pelo patinete, pela bicicleta. Cada não me ensinava alguma coisa. Eu saía das entrevistas e refletia: o que eu poderia ter falado diferente?"

Os Perrengues Que Ninguém Conta

Conseguir o emprego foi só o começo. Os desafios de ser imigrante no mundo corporativo australiano vieram em ondas.

Com 15 dias de empresa, o telefone tocou. Ninguém pra atender. Mari respirou fundo e atendeu. Era um fornecedor. E ela não conseguiu entender uma única palavra.

"Eu estudei inglês no Brasil. Fazia reunião em inglês no Nubank. Cheguei aqui e não consegui atender um telefone?"

Pediu pra pessoa repetir. Uma vez. Duas. Três. O homem do outro lado foi ficando irritado. Ela chamou a chefe pra resolver. Problema resolvido.

Mas o que veio depois doeu mais que a ligação em si: a chefe começou a contar pra todo o escritório que Mari não tinha conseguido atender uma simples ligação.

"Isso não aconteceria com uma australiana. Eu tenho certeza. E foi ali que eu entendi: ser imigrante é carregar um peso invisível que os outros não veem."

Teve outra situação marcante. Mari, inquieta por natureza, fez uma análise de dados por conta própria numa véspera de Dia das Mães. Mostrou pra chefe, alinhou com os colegas, mandou pro time de vendas.

No dia seguinte, um diretor de outra área foi até a mesa dela e começou a gritar. No meio do escritório. Na frente de todo mundo. Por que ela estava "fazendo o trabalho de outra pessoa".

Três pessoas numa sala. Ela sozinha do outro lado. Coagida. Humilhada. Com apenas um mês de empresa.

"Foi desafiador. Mas a gente vai colocando uns tijolinhos, vai se entendendo, vai aprendendo a reagir. Um ano depois, passei por situação parecida e tive uma postura completamente diferente."

A Nova Marina: Menos Validação, Mais Essência

Antes de embarcar pro hemisfério sul, Mari fez uma promessa pra si mesma. Uma linha no chão. Um pacto silencioso.

Ela seria uma nova pessoa.

Nada de medo de julgamento. Nada de buscar validação externa. Nada de se esconder no Close Friends do Instagram com medo do que os outros iam pensar.

"Aqui ninguém me conhece. Ninguém paga minhas contas — muito menos em dólar australiano. Vai ser agora que eu vou ser quem eu verdadeiramente quero ser."

Ela abriu a câmera. Saiu do Close Friends. Começou a criar conteúdo abertamente. E algo mágico aconteceu: as pessoas começaram a aparecer.

Praticamente todas as amigas que Mari tem hoje na Austrália vieram através do Instagram. Da exposição. Da vulnerabilidade. Da coragem de mostrar quem ela realmente era.

Dessa abertura nasceu o Clube do Livro — um projeto que ela já tocava no Brasil e trouxe pra Austrália em 2023. A ideia surgiu de uma observação simples: nas mentorias que dava, ela recomendava livros no final. As pessoas até compravam, mas raramente liam.

"Como faço o aprendizado se tornar fluido e acessível? Criei o clube. A gente não só lê — discute, debate, analisa, coloca em prática. Quando você faz isso com pessoas que têm valores parecidos, a absorção do conhecimento é muito maior."

Hoje o clube tem lista de espera. As vagas se esgotam em horas. E mais do que um grupo de leitura, virou um espaço de conexão, amizade e transformação.

"Uma participante me disse: 'Mari, eu queria que algo assim existisse quando eu cheguei na Austrália. Teria me ajudado muito.' Aquilo me tocou profundamente."

Das mentorias individuais — hoje com agenda lotada até janeiro de 2026 — nasceram cases de sucesso impressionantes. Como a Bárbara, que depois de 8 anos trabalhando em hospitality conseguiu, em apenas 2 meses de mentoria, um emprego como gerente de projetos numa empresa de Adelaide.

E agora vem o próximo passo: uma comunidade para mulheres imigrantes da Austrália e Nova Zelândia. Um ecossistema completo com eventos presenciais, encontros online, clube do livro, social club. Um lugar pra quem chega não precisar começar do zero sozinha.

"Eu queria muito que esse modelo de negócio existisse quando eu cheguei. Como não existia, resolvi criar."

Os Hábitos Que Ficaram no Brasil

A Mari que mora em Adelaide hoje é irreconhecível pra quem conheceu a Mari do Rio de Janeiro.

Aquela que não bebia água pra não perder tempo no trânsito? Morreu.

Aquela que atrelava seu valor ao que produzia, entregava, conquistava? Ficou pra trás.

"Eu tinha um hábito de me esgotar. De fazer as coisas até cansar demais, quase ter burnout. Vivia numa cultura onde a gente valoriza o esforço como se ele fosse sinônimo de sofrimento. Pra fazer alguma coisa, eu precisava me desgastar física, emocional e intelectualmente."

Hoje ela valoriza o descanso. O tempo de qualidade. As pequenas rotinas.

Começou a fazer yoga. Aprendeu a meditar. Faz 30 minutos de caminhada diária. Passa café coado e sente o cheiro. Olha pro céu no jardim de casa sem fazer absolutamente nada.

"Comecei a valorizar quem eu sou, não só o que eu faço. Desenvolvi autocompaixão — algo que eu não tinha por mim no Brasil. Aprendi a dizer não pra coisas que não fazem sentido pro meu momento de vida."

E talvez a mudança mais profunda: ela parou de fotografar tudo.

"Eu tinha uma necessidade muito grande de validação social. De mostrar. De provar. Hoje estou me aproximando da minha própria essência. Não preciso mais da aprovação dos outros."

O Que é Dar Certo?

No final da conversa, a pergunta inevitável. Aquela que dá nome ao podcast. Aquela que todo convidado responde do seu jeito.

O que significa "dar certo" pra você, Mari?

A resposta veio com a serenidade de quem já atravessou tempestades:

"Dar certo é seguir o nosso coração em busca do que realmente faz a gente vibrar. E curtir a jornada, o processo, independente dos resultados que a gente venha a colher. Entender essa fluidez e agir de acordo com a nossa essência — pra mim, isso é dar certo."

Não é sobre o cargo. Não é sobre o salário. Não é sobre o visto permanente ou a casa própria.

É sobre estar em paz com quem você está se tornando. É sobre não adiar mais os sonhos por medo do que os outros vão pensar. É sobre ter a coragem de recomeçar — quantas vezes forem necessárias.

Mari não veio pra Austrália pra ver se daria certo.

Ela veio pra fazer dar certo.

E Você?

Qual sonho você está adiando por medo, por cargo ou por "não ser a hora certa"?

O que você deixaria pra trás se pudesse começar do zero amanhã?

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Luisa Pessoa

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