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"Papai, Me Protege": O Lado da Paternidade Que Ninguém Conta (Especialmente Longe de Casa)

Luisa PessoaLuisa Pessoa
12 min
"Papai, Me Protege": O Lado da Paternidade Que Ninguém Conta (Especialmente Longe de Casa)

Ele estava no Brasil quando sonhou com ela pela primeira vez.

Cabelo cacheado. Uma voz que ele não conhecia, mas reconheceu na hora. E uma frase que o persegue até hoje:

"Eu não sei por que você não me quer."

No sonho, a menina virava as costas e começava a andar. Uma música da Kobe – artista favorita da esposa – tocava ao fundo. Lenta. Triste. A letra dizia algo como: "Se é esse o jeito que você sabe amar, você precisa aprender muito."

Jonathan acordou em pânico. Ligou para Fernanda. Pediu que fizesse um teste de gravidez.

Negativo.

Ele não consegue ouvir essa música até hoje.

Cinco anos depois, na Austrália, Fernanda encheu a casa de balões rosa e azul antes mesmo de fazer o teste. Jonathan chegou do trabalho, viu aquele monte de balão e pensou: "Pronto, ela achou que era meu aniversário. Está maluca?"

Não estava.

Ela sabia. Conhecia o próprio corpo. E quando a Nina nasceu – de olhos abertos, sem chorar, "já julgando todo mundo ao redor" – Jonathan entendeu: aquela era a menina do sonho. A mesma que, anos antes, tinha virado as costas e ido embora.

Dessa vez, ela ficou.

Mas ser pai longe de casa, sem rede de apoio, no meio de uma pandemia, com a esposa sangrando na mesa de parto... isso ninguém te prepara.

Um Parto Que Quase Virou Tragédia

O plano era rede particular. Médico acompanhando, quarto privativo, tudo certinho.

Mas o médico nunca estava lá. Nunca. Iam pagar caro por um fantasma. Então mudaram para o sistema público – e não se arrependeram.

Fernanda foi induzida. O parto foi normal. Mas nada foi tranquilo.

Fizeram um corte. A Nina saiu. E do nada: sangue. Muito sangue. Hemorragia. Os médicos não sabiam de onde vinha. Jonathan viu a equipe pegando lençóis enormes, enfiando dentro da esposa, tirando encharcados, tentando encontrar o vazamento.

E a Nina? Nasceu sem respirar.

Olhos abertos. Sem chorar. Parada.

"Ela nasceu sem chorar, mas com o olho aberto, já julgando todo mundo ao redor. Eu achei que ela tinha olhado assim e falado: não acredito que você realmente me quis, né?"

Colocaram um tubo no nariz dela. Sopraram. Ela chorou. Estava viva.

Fernanda perdeu litros de sangue. Mas saiu da sala sorrindo. Porque tinha ido preparada. Sabia que parto dói, que não é novela, que pode dar errado. E no final, deu certo.

Jonathan? Ficou no modo automático. Lógico. Frio.

"Naquele momento eu pensei: ela está sendo assistida, a Nina está sendo assistida. E aí eu pensei... tem alguém tirando foto?"

Ele tem fotos de todos os ângulos do nascimento. Fernanda nunca quis ver nenhuma.

Quando o Provedor Vira Cuidador (E Descobre Que Tudo Bem)

Jonathan cresceu com a ideia de que homem provê. Ponto.

Quando soube que seria pai – ainda com visto de estudante, sem direito a auxílio-maternidade, sem família por perto – o primeiro pensamento foi: "Tenho que trabalhar ao máximo."

Mas a vida tinha outros planos.

Quatro meses depois do nascimento da Nina, o COVID explodiu. Os restaurantes fecharam. Ele, chef de cozinha que já tinha trabalhado na casa do governador de Sydney e acumulado 7 promoções em 7 anos, ficou em casa.

Fernanda voltou ao trabalho remoto em marketing. E Jonathan assumiu a Nina.

Orgulho ferido?

"Não. Porque era além da minha força. Eu não escolhi estar em casa."

E dentro dessa circunstância, ele encontrou algo que muitos pais nunca têm: tempo.

Tempo para cantar músicas do Caetano – a mesma música que até hoje acalma a Nina quando ela está nervosa. Tempo para ficar olhando a árvore balançar com o vento enquanto ela viajava no movimento das folhas. Tempo para criar uma conexão que, segundo ele, é diferente da maioria dos pais que conhece.

"Eu consegui compensar esses 9 meses que ela estava na minha frente em conexão com a minha filha nesse tempo. Porque ela estava trabalhando e eu estava tomando conta dela."

E teve outra vantagem inesperada do isolamento: zero comparação.

Sem grupos de mães. Sem encontros de bebês. Sem aquele veneno silencioso de "o filho da fulana já anda, o seu não".

"Não comparar o seu bebê com os outros é excelente. Porque cada um tem o seu tempo."

Ele conta que a mãe dele andou com 7 meses. Quando a irmã mais velha ficou em pé no berço com a mesma idade, todo mundo ficou empolgado: "Ela vai andar! Ela vai andar!" Resultado? Teve que usar bota ortopédica. Não era hora.

O conselho que ele deixa para outros pais:

"Se você puder ficar com seu filho, por menos que seja... tenha um momento só a criança e o pai. Sem interferência da mãe. Porque a mãe entende sinais que o pai não entende – mas ele precisa aprender a entendê-los. E só vai aprender sem interferência."

"Papai, Me Protege" – O Dia Mais Difícil

A Nina quase nunca fica doente. Mas teve um dia.

Jonathan deixou ela com uma pessoa diferente da habitual. Era férias escolares, a cuidadora de sempre não estava disponível. Quando foi buscar, encontrou a filha no canto. Chorando. Segurando o cotovelo.

A moça disse: "Ela é manhosinha, né? Caiu e ficou aí chorando."

Manhosinha. Jonathan estranhou na hora. A Nina pode ser muita coisa – personalidade forte, opinião formada – mas manhosa? Nunca.

Quando foi colocar ela na cadeirinha do carro, ela gritou. O braço não mexia.

Correu pro hospital.

O médico diagnosticou rápido: um nervo preso entre os ossos do cotovelo. "É fácil de resolver, só torcer aqui." Torceu. Não voltou. A Nina foi à lua de dor.

Veio outra médica. Torceu de novo. Nada.

Jonathan pediu raio-x. A resposta? "Desnecessário. Desperdício de recurso."

"Quando eu escutei 'desperdício' com relação à minha filha, eu virei o bicho."

Insistiu. Tiraram o raio-x. Cotovelo trincado.

E a história mudou: não foi um carrinho que bateu nela. Uma criança de 10 anos caiu em cima dela. O peso dos dois corpos no chão.

Mas o pior não foi a fratura. Foi o olhar.

"A Nina virava pra mim e falava: papai, por favor, me protege. Eles estão me machucando."

E ele não podia fazer nada.

"Esse sentimento de impotência foi o pior que eu tive até hoje em relação a ela. Você quer proteger seu filho e não pode fazer nada. A criança olha pra você pedindo ajuda. E você não pode fazer nada."

O Menino Que Virou Pai Aos 10 Anos

A história de Jonathan não começa na Austrália. Começa num quitinete em Santos, São Paulo.

Filho único até os 10 anos, ele viu a vida mudar quando a mãe casou de novo e vieram três irmãs: Jennifer, Jaqueline e Júlia. A mãe trabalhava o dia inteiro – papelaria, loja de tapetes, imobiliária, máquina de costura fazendo calça bailarina e frente única pra vender.

Quem tomava conta das meninas? Jonathan.

"Se minha mãe chegasse em casa e estava tudo de pernas pro ar, a culpa era minha. Então era eu que botava ordem no circo."

Ele lembra de uma briga clássica com a Jennifer. Ela pediu Nescau. Pediu. Pediu. Pediu. Ele fez. Ela deu meia colherada e disse: "Não quero mais."

"Eu falei: agora você vai comer. Ela nunca mais tomou Nescau na vida. Teve filho e não comprou Nescau pro filho dela. Eu também não."

A Jaqueline vivia doente – mais de 10 pneumonias quando pequena. A mãe colocou no balé pra fazer atividade física. Hoje ela dá aula de dança em Adelaide.

E a Júlia? Se safava por ser a caçula.

Mas entre as brigas e as responsabilidades, algo se construiu. As irmãs o veem como figura paterna. Nos aniversários, nos "textões" de Instagram, elas sempre trazem isso à tona.

"O lado emocional era meu. O lado do conversar era comigo. Minha mãe decidir qual conta ia pagar, era comigo. Porque não dá pra pagar todas as contas, né? Você elege a conta que vai pagar."

Ele tinha 15 anos tomando decisões de adulto.

E o pai biológico? Ausente. O padrasto Renato? Presente, mas diferente.

"Eu amo o Renato. Mas colocar ele como referência de paternidade, eu não colocaria. O que ele foi pras minhas irmãs não foi o que foi pra mim. O laço emocional que geralmente você tem na paternidade, ele próprio não teve na educação dele. A gente dá o que tem. E ele não tinha isso."

Jonathan viu o padrasto chorar pela primeira vez no enterro da avó dele. Já tinha mais de 20 anos.

Então, quando a Nina nasceu, ele não tinha modelo pra copiar. Não tinha referência. Estava criando do zero.

"Eu não replico algo que eu tive. Estou criando algo completamente novo. Não sei se está certo. Espero que sim. E faço um esforço até maior por não ter tido isso – porque ela vai ter o que eu não tive."

A Culpa de Quem Carrega o Mundo – E Decide Largar

Quando Jonathan decidiu imigrar, não foi por ele.

Foi pela esposa. Pela filha que ainda nem existia. Pela irmã Jaqueline, que sempre sonhou em morar fora. Ele queria ser o bote salva-vidas. Estar lá caso alguém precisasse.

"Só quando eu cheguei aqui e as coisas começaram a andar é que eu vi que era por mim também. Mas quando bati o martelo, não era. Era pelos outros."

E a culpa? Pesada.

A Nina tinha 2 anos e meio quando recebeu o primeiro abraço da avó. Dois anos e meio sem almoço de domingo. Sem mesa cheia. Sem aquele amor de família que Jonathan sempre prezou.

"Parecia que eu estava privando ela de toda essa convivência familiar. E o quanto eu era culpado disso."

Mas ele aprendeu a não olhar pra trás. O COVID deu tempo pra refletir – mas também ensinou que não dá pra viajar demais na culpa.

E quando finalmente levou a Nina pro Brasil, ela conheceu as bisavós. Viu que as pessoas da tela do celular existiam de verdade. A mesa estava cheia.

"Aquilo foi realmente muito bom. Dá aquele sentimento de ninho completo."

Tem uma frase que Jonathan disse que ficou martelando:

"Eu sou pai da minha filha com muito orgulho. Meio pai das minhas irmãs, com muito orgulho. Melhor amigo da minha mãe, com muito orgulho. Melhor amigo da minha esposa, com muito orgulho. Mas tudo isso com grande culpa."

A culpa de quem sempre cuidou. De quem se acostumou a ser responsável por todo mundo. De quem acha que ir embora é virar as costas.

Mas não foi.

"Quando eu vim pra Austrália, foi o momento que eu virei pra mim e falei: agora é a minha vez. E eu realmente não me arrependo."

O Casamento Depois do Filho: Como Não Deixar a Criança "Expulsar" o Pai

Jonathan tocou num ponto que muitos casais evitam: o risco do filho destruir o casamento.

"O que eu escuto muito de amigos é do marido se sentir negligenciado. E isso começa na gravidez. Tem mulher que não consegue sentir o cheiro do marido. Joga ele pro lado. Nasce a criança: 'você vai pro quarto de hóspedes, o bebê dorme comigo'. E eu vi situações de a criança ter 5 anos e o marido ainda dormir no quarto de hóspedes."

Com ele e Fernanda, isso não aconteceu.

A Nina sempre teve o próprio quarto. Dormia no berço ao lado da cama deles temporariamente – e até hoje, quando acontece algo no meio da noite, ela é bem-vinda na cama dos pais. Mas o lugar dela é no quarto dela.

"A criança veio pra agregar, não pra tirar nada de ninguém."

E o tempo do casal? Não é agendado em pedra. É quando dá.

"A gente determinou que quarta-feira à noite é o nosso dia. Mas se não deu na quarta, vamos ver na quinta. Semana que vem tá aí. Tudo que é muito ferro e fogo também não funciona."

O segredo, segundo ele, é o combinado que fizeram desde o início do relacionamento: quando um precisa dar passo pra trás, o outro vai pra frente.

"Toda vez que ela precisou de apoio – 'eu preciso de você em casa pra que me vejam no trabalho, pra que eu seja reconhecida' – a gente fez."

A Nina e o Churrasco do Australiano

Nem tudo é drama. Às vezes é comédia.

Semana passada, Jonathan levou a Nina no parquinho. Tinha uma tirolesa. Ele puxava, ela descia. No final da tirolesa, um australiano parrudo de 2 metros – tipo lenhador de coque – fazia churrasco numa churrasqueira elétrica pra família da namorada.

A Nina desceu da tirolesa e foi direto nele.

"Você está fazendo churrasco errado. Meu pai falou que você tem que colocar sal."

Queixo pra cima. Tom de julgamento. O cara olhou pro Jonathan sem entender nada.

"Eu fui andando devagarzinho. Falei: ela só está te dando umas dicas de como fazer um Brazilian barbecue. Aí o cara: 'Churrasco brasileiro? Pô, ajuda a gente aqui!'"

Resultado: Jonathan passou meia hora fazendo churrasco de graça. Num domingo. De folga. A Nina comeu.

"Se você planeja ter filhos, tenha sempre uma desculpa em mente. Uma boa piadinha. Um sorriso amarelo. Porque as crianças vão aprontar com vocês."

A Grande Lição: Pressão Cria Diamantes

Jonathan fez uma analogia que resume tudo:

"Carbono a gente encontra em qualquer lugar. Calor vem do Sol. O que transforma isso em algo precioso é a pressão."

Morar fora. Sem rede de apoio. Querendo acertar. Sem modelo pra seguir.

"Toda essa pressão de morar fora, sem rede de apoio, querendo fazer certo... eu estou criando algo precioso. É exatamente a composição do diamante: carbono, calor e pressão."

E a Nina está ensinando ele a ser mais paciente. Porque quando ele não é, machuca. E agora ela lembra.

"Ela está começando a lembrar das coisas. Você vê o sentimento no olhar dela. Então eu estou tendo que deixar de replicar alguns comportamentos. Estou lutando muito pra isso. Porque eu não quero que ela ache que vive numa ditadura."

O Que É Dar Certo?

No final da conversa, Luiza fez a pergunta que não pode faltar.

A resposta de Jonathan não foi sobre dinheiro. Não foi sobre as 7 promoções em 7 anos. Não foi sobre status ou conquistas profissionais.

"Dar certo foi o momento que eu decidi vir pra cá e pensar em mim como pessoa. É muito difícil. Tem pessoas que são mais egoístas e fazem isso de maneira automática. Pra mim não é tão fácil."

Ele passou a vida inteira cuidando dos outros. Das irmãs. Da mãe. Da esposa. Da filha.

"Quando eu decidi isso, foi quando eu decidi dar certo. Foi quando eu decidi que as coisas iam caminhar do jeito que eu queria, no tempo que eu queria, pra ter o resultado que eu queria."

Dar certo, pra Jonathan, foi se permitir ser prioridade pela primeira vez na vida.

Pra Quem Precisa Conversar

No final do episódio, Jonathan deixou um recado:

"Gente, pode me procurar no Instagram: @jonathan.valente. Pode mandar mensagem. Fala que é um primo, um vizinho, qualquer coisa. Principalmente porque homem tem muito disso – ele não pode sentir, só executa. Vamos conversar. Precisou de qualquer coisa, pode não ter sido uma experiência que aconteceu comigo, mas aconteceu com alguém perto de mim. Ou até só pra conversar. Eu me coloco à disposição."

Porque se tem grupo de apoio pra mãe, deveria ter pro pai também.

E você? Já teve que escolher entre cuidar dos outros e finalmente cuidar de si mesmo? Já se sentiu sozinho na paternidade (ou maternidade) longe de casa? Conta aqui nos comentários – sua história pode ser exatamente o que outro pai precisava ouvir hoje.