Pular para o conteúdo principal

Ele Perdeu a Mãe à Distância e Não Pôde Voltar — A História Que Todo Imigrante Teme

Luisa PessoaLuisa Pessoa
7 min
Ele Perdeu a Mãe à Distância e Não Pôde Voltar — A História Que Todo Imigrante Teme

João gastou duas horas escolhendo um hotel em Hobart. Duas horas. Para uma cidade que é basicamente uma vila de pescadores que cresceu.

Não era indecisão. Era o peso de 30 anos tomando decisões pensando em outra pessoa primeiro. A mãe. O ex. Qualquer um, menos ele.

Mas essa viagem aconteceu depois. Depois do diagnóstico de demência. Depois da videochamada em que a mãe não o reconheceu. Depois de receber a notícia da morte dela por WhatsApp, às 4 da manhã, enquanto dormia em Adelaide.

Essa é a história do João. E se você é imigrante, já sabe: é também a sua.

Quando "Cuidar da Mãe" Vira Casar com Ela aos 22 Anos

João tinha 22 anos quando os pais se divorciaram. Em uma semana, alugou um apartamento, assumiu dívidas e trouxe a mãe para morar com ele. O irmão mais velho já era casado e morava em Brasília. O pai não ajudou financeiramente.

A mãe não trabalhava — o patriarcado antigo não deixava. Ela era "dona de casa". Quando o casamento acabou, ela perdeu o norte. Quem sou eu se não sou mais esposa?

"Eu casei com a minha mãe", João resume. Foram quase 10 anos assim. Ele pagava tudo: aluguel, comida, remédios de tarja preta (uma fortuna). Ela tomava antidepressivos desde que perdeu um bebê nos anos 70. O organismo dela era dependente. Um dia sem remédio? Impossível.

João vivia em stand-by. Esperando que alguma coisa acontecesse.

A Vontade de Morar Fora (Que Ficou Guardada por Anos)

Desde adolescente, João queria morar fora. Mas como? A mãe dependia dele. O trabalho como advogado em Brasília era estável. A vida era uma bolha de responsabilidades.

Até que ele saiu do armário.

A conversa com a mãe durou três horas. Ela era católica, mas de cabeça aberta. Aceitou. Fez as perguntas de praxe: "E se você quiser casar na igreja?" João riu. "Mãe, eu posso ter filhos. Posso adotar."

Ela teve um mês de negação. Toda semana, uma ex-namorada diferente era mencionada. "E aquela sua amiga?" João suspirava. "Mãe, não."

Pouco depois, ele conheceu o ex pelo app. O cara queria morar na Austrália. João pensou: juntou a fome com a vontade de comer.

Gold Coast, $40 por Semana e o Medo de Dormir na Praça

Março de 2014. João e o ex chegaram em Gold Coast. A agência não avisou que era cidade turística. Eles chegaram no final do verão. Não conseguiam emprego.

O dinheiro do Brasil foi acabando. Até que acabou.

João sacou tudo do limite do cartão de crédito. Olhou pro ex e disse: "Acabou. Quando esse dinheiro acabar, já era."

Teve dia que ele olhava pra professora de inglês e pensava: "Será que vou ter que dormir na praça? Nesse frio, eu vou morrer."

O ex foi morar na casa do primo. João não pôde ir. Mandou mensagens pra 100, 200 pessoas em sites de flatmate. Duas responderam. Uma aceitou: ele limpava a casa em troca do quarto.

Eles passavam a semana com $40 cada. João dava aula de português. O ex limpava uma loja no shopping. $40 por semana.

Hoje, João para e pensa: "Como eu fiz $40 durarem uma semana inteira?"

"Eu Vim Pra Ficar" — Quando Desistir Não É Opção

Três meses depois de chegar, o ex quis voltar pro Brasil. João foi direto: "Então você pode voltar. Eu não fiz essa mudança inteira na minha vida pra desistir depois de três meses."

Desistir não era opção. Ele tinha deixado a mãe. Tinha largado o emprego dos sonhos (que durou dois meses). Tinha cortado o cordão umbilical.

A mãe, lá de Goiás, dizia: "Sinto muita saudade. Mas sei que você tá vivendo uma vida melhor aí. Não volta."

Ela nunca pediu pra ele voltar. Nunca.

Melbourne, Bolos e o Nome Que Homenageia Quem Nunca Viu

Depois de Gold Coast, veio Melbourne. João fez curso de gastronomia. Virou chef. Trabalhou em hospitality — a indústria que te faz trabalhar quando os outros estão se divertindo.

Foi a Tássia, amiga de Melbourne, que plantou a semente: "Você vai fazer o bolo do meu aniversário, né?"

João ensaiou três, quatro bolos antes de fazer o dela. Ficou bom. Alguém pediu outro. De boca a boca, nasceu a ideia.

Quando mudou pra Adelaide, ele precisava de um nome. Não conseguia achar. Até que lembrou: foi a mãe que ensinou ele a fazer bolo, logo depois da separação.

"Obrigado, mãe."

Thanks Mom Cakes.

Ela nunca viu. Não tinha smartphone. Não sabia mexer no celular. Se alguém não mostrou pra ela no Instagram, ela não viu nenhum bolo que João fez em homenagem a ela.

Abril de 2020: O Diagnóstico Que Veio no Meio da Pandemia

COVID. Lockdown. João e o ex perderam o emprego. Pararam de pagar aluguel. A imobiliária queria despejar, mas era proibido por causa da pandemia.

Amigos fizeram vaquinha. Mandaram voucher de supermercado. João fazia bolos simples. Só tinha dinheiro pra comida.

Aí veio a ligação do irmão.

A mãe tinha ido pro hospital. Exames confirmaram: demência.

Videochamada. Ela estava irreconhecível. Magra demais. Sozinha em casa, ela esquecia de comer. Esquecia de tomar os remédios.

E então, ela olhou pra tela.

Ela não o reconheceu.

João deitou no colo do ex e chorou igual criança. Uma história de vida inteira — toda aquela conexão — tinha desaparecido da cabeça dela.

"Ali eu comecei a viver um luto de uma mãe viva."

A Conversa Que Só Eles Dois Sabiam

Antes de mudar pra Austrália, João visitou a mãe em Goiás. Eles tiveram uma conversa. Só os dois.

Ela disse: "Se alguma coisa acontecer, não se preocupe. Não precisa pegar um avião e vir correndo. Se algo acontecer comigo, é só um corpo no caixão. Você já fez muito por mim em vida."

João se agarrou nessa frase. Quando ela não o reconheceu. Quando ela faleceu, dois anos depois.

Julho de 2022: A Mensagem no WhatsApp

Eram 4 da manhã em Adelaide. João dormia. O celular tocou 16 vezes. Era o irmão, ligando durante o enterro no Brasil.

João não atendeu. Estava dormindo.

Ele tinha recebido uma mensagem no WhatsApp: a mãe tinha falecido.

E sabe o que aconteceu?

Foi uma das melhores noites de sono da vida dele.

Não é frieza. É alívio. O sofrimento dela tinha acabado. O sofrimento dele também.

Mas aí veio o luto de verdade. Aquele vazio que todo mundo fala, mas só quem perde a mãe entende. Literalmente um buraco. Como se arrancassem uma parte de você.

O Recomeço Mais Difícil: Colocar-se em Primeiro Lugar

João passou a vida inteira dando prioridade aos outros. A mãe. O ex. Qualquer um, menos ele.

Depois que a mãe faleceu, ele percebeu: "Eu preciso estar em primeiro lugar."

Ele viajou pra Hobart. Gastou duas horas escolhendo hotel. Porque sempre escolhia pensando em outra pessoa.

Meses depois, viajou pro aniversário dele em Cairns. Escolheu o hotel em 15 minutos. "Esse aqui tem banheiro, tem cama, tá bom."

Foi a melhor viagem da vida dele.

O Que É "Decidir Dar Certo"?

Perguntei pro João: "O que é, pra você, decidir dar certo?"

Ele respondeu:

"Não desistir. Você não pode desistir. E tem que escutar aquela vozinha dentro de você. Se você tem vontade de fazer alguma coisa, talvez não aconteça agora, mas vai acontecer. Hoje, eu realizei todos os sonhos que tive quando era criança. Por mais bobos que fossem. Vai ser uma merda, você vai recomeçar várias vezes. Recomeço significa luto. Mas continua."

A Verdade Que Ninguém Fala Sobre Ser Imigrante

Quando você decide morar fora, você renuncia. Renuncia a estar presente. A vida lá continua. A vida aqui continua.

Aniversários acontecem. Casamentos acontecem. Mortes acontecem.

A sobrinha do João tinha 8 anos quando ele saiu do Brasil. Hoje, ela tem 19. Ele perdeu a infância dela.

Mas ele ganhou outra coisa: a chance de se colocar em primeiro lugar. De viver os próprios sonhos. De não desistir.

E Você?

Se você é imigrante, já sentiu essa solidão? Já viveu o medo de perder alguém à distância?

Deixa nos comentários. A gente lê todos.

E se você conhece alguém que precisa ler isso, compartilha. Porque ninguém deveria se sentir sozinho nessa jornada.