Dois Anos Longe da Austrália: Como a Pandemia Me Ensinou Que Eu Era Mais Forte do Que Pensava

Imagina você, 23 anos, jogando tudo pro alto em São Paulo pra viver seis meses na Austrália. Agora imagina que esses "seis meses" viram seis anos. E que, bem quando você decide finalmente criar raízes de verdade, uma pandemia te prende do outro lado do mundo — longe das suas coisas, dos seus planos, da vida que você tinha começado a construir.
Foi isso que aconteceu com a Isadora.
Ela foi pra Fernando de Noronha gastar seus dólares australianos, comeu arroz de polvo no Zé Maria, nadou com golfinhos. E no dia seguinte? As fronteiras fecharam. De repente, aquele um mês de férias virou dois anos de espera, ansiedade e a pergunta que não saía da cabeça: "Será que eu ainda pertenço à Austrália?"
Spoiler: ela pertencia. Mas o caminho de volta foi bem mais difícil do que ela imaginava.
A Vida Que Ficou Presa em Sydney
Quando Isadora saiu do Brasil em 2017, ela não tinha planos de ficar. Era só uma pausa da vida corporativa, um respiro de seis meses. Mas a Austrália tem esse jeito de te prender — no bom sentido.
Ela trabalhou como cleaner, no hospitality, serviu mesas. Nunca imaginou que conseguiria trabalhar na área dela (auditoria financeira) por causa do inglês, por ser imigrante, por achar que "não era boa o suficiente". Então foi vivendo a vida de Dora Aventureira: festas, viagens, amigos, Sydney inteira na palma da mão.
Até que ela decidiu que queria mais. Queria ficar de verdade. Queria o visto, a residência, a vida enraizada. Aí fez o que todo imigrante faz antes de começar a maratona do visto: voltou pro Brasil pra "dar um último tchau".
Chegou na quarta-feira de cinzas de 2020. Junto com o primeiro caso de COVID no Brasil.
Presa no Brasil: Quando o Plano Vira Pó
A mãe dela já sacou na rodoviária: "Filha, troca essa passagem. Você não vai conseguir voltar."
Isadora tinha 15 dias de viagem pela frente. Passou a noite olhando voos caríssimos, com escalas malucas (Dubai, Hong Kong, sei lá onde). Bateu o medo de ficar presa num aeroporto no meio do caminho. Pensou: "Vou ficar com a minha família."
No dia seguinte, as fronteiras fecharam.
E aí começou aquela sensação que só quem viveu a pandemia longe de "casa" entende: você não escolheu ficar, mas também não tem como ir embora.
Isadora passou dois anos no Brasil. Viu Natal, aniversário, mais Natal. A mala de verão (biquíni, roupa leve) ficou intacta por meses até a mãe dela falar: "Filha, desfaz essa mala. Você não vai voltar tão cedo."
Foi um choque. Todos os planos pararam. E não foi escolha dela.
O Choque de Voltar (Mesmo Sem Ter Saído)
Tem uma coisa estranha que acontece com imigrante: você volta pro seu país e sente que não pertence mais.
Isadora sentiu isso logo nas primeiras semanas. As conversas eram outras. Os planos dos amigos não encaixavam mais com os dela. Ela queria pegar um carro e explorar uma cidade nova no fim de semana — coisa que fazia toda hora na Austrália. Mas no Brasil? "Ah, sei lá, é caro. Fica pra depois."
Ela via os stories da galera em Adelaide, vivendo a vida normal, sem lockdown pesado, sem o caos que era o Brasil na pandemia. E ficava pensando: "Eu queria estar lá."
Mas aí ela tomou uma decisão: não ia sucumbir à tristeza.
Voltou a trabalhar (home office, mesma empresa de antes), fez terapia, ocupou a cabeça. E quando as coisas melhoraram, quando o Brasil começou a abrir de novo, ela pensou: "Tá, agora eu posso viver o Brasil."
Mas no fundo? Ela já sabia. Não era mais o lugar dela.
A Volta: Recomeçar do Zero (De Novo)
Em maio de 2022, Isadora voltou pra Austrália. Direto pra Adelaide, cidade que ela mal conhecia. Sem emprego, sem casa, sem nada — só um visto e um sonho.
Ah, e uma diferença gigante: ela voltou segura de si.
Dois anos no Brasil, trabalhando na área, fizeram ela perceber: "Eu sei o que eu tô fazendo. Eu sou auditora. Eu consigo."
Colocou o currículo no Seek (o "Catho australiano"). Em 20 dias, tava empregada. Na área dela. Em inglês. Com imigrantes do mundo todo na equipe.
Claro que foi desafiador. Ela sabia fazer o trabalho, mas não sabia as expressões técnicas em inglês. Ficava frustrada. Mas em seis meses? Já tava voando.
E aí, no terceiro dia em Adelaide, uma amiga disse uma frase que ela nunca esqueceu:
"Em Adelaide, tudo flui."
Isadora achou meio viagem na época. Mas hoje? Ela concorda. Emprego rápido, amigos novos, namorado (que apareceu numa festa junina, óbvio), casa, planos de visto permanente. Tudo fluiu.
O Que É "Decidir Dar Certo"?
Quando perguntei pra Isadora o que significava "decidir dar certo", ela não hesitou:
"Foi quando eu resolvi encarar. Na pandemia, eu podia ter ficado na tristeza, esperando. Mas eu voltei a trabalhar, voltei a viver. E decidi: eu vou voltar pra Austrália. Eu vou conseguir meu emprego. Eu vou conseguir meu visto. Não vou deixar por acaso."
Ela foi em cartomante perguntar quando a fronteira ia abrir (sério). Chorou muito. Passou três Natais longe. Mas não desistiu.
E hoje? Ela se sente realizada. Tem a carreira, o namorado carioca pagodeiro (sim, ela virou fã de Menos é Mais), os planos de residência permanente. E a certeza de que Adelaide é o lugar dela.
Pelo menos hoje. Amanhã pode ser Holanda. Sexta-feira é sempre Adelaide.
A Solidão Que Ninguém Conta
Ser imigrante é viver com o coração em pedacinhos. Um pedaço em Sydney, outro em Santos, outro em Adelaide. Você não pertence 100% a lugar nenhum. E tá tudo bem.
Isadora sente falta da família. Queria trazer todo mundo pro Brasil pra cá (quem nunca?). Mas sabe que aqui é onde ela quer estar.
E se tem uma coisa que ela diria pra Isadora de 2020, presa na pandemia, insegura, sem saber o que ia acontecer?
"Segura essa peteca. Você é mais forte do que pensa. Coisas boas estão vindo."
E Você?
Já sentiu que não pertence mais ao lugar de onde você veio? Já recomeçou do zero (ou duas, ou três vezes)? Conta aqui nos comentários. A gente adora saber que não tá sozinho nessa.
E se você conhece alguém que tá passando por isso — preso entre dois países, dois vistos, duas vidas — manda esse texto pra pessoa. Às vezes a gente só precisa saber que dá pra dar certo. Mesmo quando parece impossível.
