Homem Também Quebra": A Verdade Sobre Ansiedade, Terapia e Recomeçar do Zero na Austrália

"Tô ansioso."
Duas palavras. Uma mensagem de texto. É tudo que Marcelo precisa mandar pra esposa quando sente a ansiedade chegando.
Não é "tô mal". Não é "preciso de ajuda". É só: "Tô ansioso."
E isso já basta. Porque admitir que você não tá bem é o primeiro passo. E pra muitos homens, esse é o passo mais difícil.
No podcast "Decidi Dar Certo", Marcelo abre o jogo sobre um assunto que ainda é tabu: saúde mental masculina. Sobre terapia, ansiedade, recomeço e a solidão de ser imigrante na Austrália.
Porque por trás das histórias de sucesso, tem uma verdade que a gente raramente fala abertamente: homens também quebram. E tá tudo bem admitir isso.
O Tabu da Terapia: "Isso é Coisa de Maluco"
Há 10 anos, quando Marcelo começou a fazer terapia no Brasil, ele não contou pra ninguém. Nem pra mãe.
"Era uma coisa muito pessoal. As pessoas associavam aquilo assim: você tá com problema, você tá maluco. Terapia é coisa de maluco, terapia é coisa de pessoa problemática."
Ele não tinha paciência pra se justificar. Porque, convenhamos: se você tem dor de estômago, vai no médico sem pensar duas vezes. Mas se tá passando por algo na cabeça? Aí você tem que ficar quieto, engolir seco, ser "forte".
Spoiler: isso não funciona.
A médica dele percebeu. Numa consulta de rotina, ela parou e disse: "Marcelo, você tá meio sem A com B. Tá muito estressado. Sugiro que você ligue pra essa psicóloga aqui. Ela cuidou do meu sobrinho. Acho que vai ser legal."
Marcelo pegou o telefone e ligou na mesma hora.
Hoje, felizmente, falar de saúde mental masculina se naturalizou um pouco. Virou quase hashtag. Mas ainda tem muito homem que prefere morrer de ansiedade do que admitir que precisa de ajuda.
Marcelo não é um deles. Há 10 anos, ele faz terapia com a mesma psicóloga. Online, do outro lado do mundo. No último dia antes de se mudar pra Austrália, ele separou uma hora da agenda caótica pra se despedir dela pessoalmente. Choraram juntos.
"Ela me conhece muito. Tem gente que acha isso ruim, eu acho ótimo. Não sou muito de me abrir, então é bom ter uma pessoa que sabe que... é isso."
A Pressão Invisível do Imigrante: "Será Que Vai Dar Certo?"
Marcelo chegou na Austrália em fevereiro de 2019. Por conta da Bárbara, sua esposa, que já estava lá. Ele veio como turista. Isso significa que ele ficou 4 meses sem poder trabalhar. Sem renda. Dependendo financeiramente dela.
"Não mexeu com o meu ego, não. Mas me sentia mal. Eu queria estar contribuindo, só que eu não podia. Não é uma coisa de ego masculino. Eu queria ajudar a casa."
Enquanto isso, a cabeça não para: E se o visto não sair? E se eu tiver que voltar? E se eu não conseguir emprego? E se tudo isso for um erro gigante?
Essa é a ansiedade em imigrantes. Aquela tensão constante de não saber o que vem pela frente. Você se joga num funil gigante onde no início tem espaço pra todo mundo, mas lá embaixo, alguém conta as gotas. Não necessariamente vai ser você. Ou vai.
Marcelo tinha 43 anos quando aplicou pro visto permanente. Quase no limite de idade (45 anos). O tempo passando. A pressão aumentando.
"Você entra no campo da incerteza. E isso foi bem ruim pra minha ansiedade."
Ele trabalhou como voluntário num restaurante pra ocupar a cabeça. Aprendeu a carregar três pratos, a tirar pedidos, a começar do zero. Mas passava muito tempo em casa. Sozinho. Ligava muito pra família no Brasil.
"Foi um movimento natural. Eu fui me fechando. Não foi culpa de ninguém."
Pandemia: 8 Meses Trancado em 40m²
Aí veio 2020. E a pandemia.
Melbourne foi a cidade do mundo que ficou mais tempo em lockdown. Quase 8 meses. Marcelo e Bárbara moravam num apartamento de um quarto. Ele trabalhava. Ela estudava. Juntos. 24 horas por dia. 7 dias por semana.
"Você não podia sair de casa. Seu dia de folga, você ficava em casa. E não é ficar em casa porque você quer. É porque você TEM que ficar."
Eles erraram muito no começo. Dormiram demais. Comeram demais. Beberam duas garrafas de vinho por dia. Até perceberem: "Essa porra tá errada."
Bárbara começou a fazer academia online. Marcelo começou a correr. Meia hora, quarenta minutos. Dependendo do dia, porque só podia fazer exercício em horários específicos.
E a terapia? Continuou. Online. Com a psicóloga no Brasil.
Mas tinha um problema: fazer terapia com a Bárbara em casa.
"A gente morava numa casa de um quarto só. Qual era a técnica? Eu pegava uma caixinha de som, botava na porta pra projetar música pra sala. Eu sentava na parede do outro lado do quarto. Pra minha voz não projetar."
Porque mesmo casado, você tem direito à sua privacidade. Você é você.
"Embora você seja casado e tudo mais, você também tem a sua própria privacidade. Você, você. Você tá ali. Você não quer... é você, pô."
150 "Nãos" e a Lição de Humildade
No Brasil, Marcelo tinha uma carreira consolidada. Trabalhou na Globo. Tinha experiência, currículo, reconhecimento.
Na Austrália? Zero.
Ele mandou currículos por quase 2 anos. Acordava às 5h da manhã, no frio, pra aplicar pra vagas. A resposta era sempre a mesma:
"Você foi muito bem, mas você não tem experiência na Austrália."
Ele não se achou um merda. Mas ficou puto com o sistema.
"Eu falei pra uma recrutadora: 'Se você vai me dar essa resposta de que eu não tenho experiência, eu nunca vou sair desse lugar. Você podia ser a primeira empresa a me ajudar a quebrar esse ciclo.'"
Ela ficou sem resposta. Mas ele continuou sem a vaga.
Marcelo aplicou pra cargos muito abaixo das suas capacidades. Recomeço profissional no exterior é isso: você engole o ego e aceita que vai começar de novo.
"Eu baixei muito cargo salarial. Aplicava pra coisas bem mais básicas, muito mais aquém das minhas capacidades."
Teve dias que ele quase desistiu. Parou de aplicar por exaustão. Porque você vai perdendo o tesão, a vontade. Você manda um pouco da sua energia junto com cada currículo. E quando ninguém responde, dói.
Até que um dia, ele foi pra uma entrevista sem expectativa nenhuma. Quase foi embora antes de entrar.
"Eu tava sentado lá no lobby do prédio, comecei a ler a vaga de novo e falei: 'Ah, vou embora. O que eu tô fazendo aqui? Vai ser de novo.'"
Mas ele subiu. Fez a entrevista. Relaxou tanto que nem percebeu quando estava sentado de pernas abertas, super à vontade.
"Eu me dei conta do nada. Falei: 'Desculpa, tô numa postura horrível aqui.' Mas eu fui tão sem pressão..."
Ele conseguiu o emprego.
Ligou pra Bárbara no meio do trabalho dela e gritou: "Conseguimos! Conseguimos!"
Não "consegui". Conseguimos.
"Foi uma conquista nossa. Minha, mas nossa. O suporte dela foi fundamental."
Ansiedade na Austrália: "Tô Ansioso"
Hoje, Marcelo toma remédio pra ansiedade todos os dias. Há alguns anos.
Não foi fácil conseguir. A primeira médica que ele foi mandou um questionário frio: "Você tem vontade de se matar? Sim ou não?"
Ele ficou puto. Porque não era nada disso. Era a tensão de viver com incerteza. A pressão do visto. O estresse do dia a dia. A manutenção do relacionamento, da casa, do trabalho, da família no Brasil.
"É muita coisa."
O segundo médico foi diferente. Conversou. Ouviu. Receitou.
"Esse remédio me deu muita clareza. Muitas perguntas que você me fez aqui agora, se você me perguntasse há dois anos atrás, eu não teria a clareza que eu tenho hoje."
Ele sabe os gatilhos da ansiedade dele. Lugares muito fechados. Calor excessivo. Ônibus lotado com o aquecedor ligado.
"Já desci de ônibus pra dar uma respirada."
E quando sente o pico chegando? Manda mensagem pra Bárbara.
"Só isso: 'Tô ansioso.' E isso já me ajuda. Só de compartilhar com ela já me dá uma clareada."
Às vezes ela não pode responder na hora. Mas só de saber que ela tá ali já acalma.
"Não necessariamente a presença física. Só você saber que ela tá aí."
"Are You OK?" — Mas Alguém Realmente Quer Saber?
Na Austrália, tem o R U OK? Day. Um dia nacional dedicado à saúde mental. As empresas fazem campanhas. Todo mundo usa roxo. Perguntam: "Are you OK?"
Mas será que realmente querem saber?
Marcelo trabalha no governo estadual. Num ambiente majoritariamente feminino. E ele sente que lá, sim, as pessoas se abrem com mais facilidade.
"Eu não tenho problema de falar. Já tirei um sick day, um mental sick day. Fui bem honesto pro meu chefe: 'Cara, tô com a cabeça ruim hoje. Não tá rolando pra mim trabalhar hoje.'"
O chefe respondeu: "Tranquilo. Vai descansar. Eu também já fiz isso."
Mas Marcelo sabe que nem todo ambiente é assim. Se ele trabalhasse numa empresa privada, num ambiente mais masculino, mais competitivo?
"Eu não sei o quão seria benéfico ou prejudicial pra mim. Como as pessoas me enxergariam. Me enxergariam como um problema."
Porque ainda existe o tabu. Terapia para homens ainda é visto como fraqueza em muitos lugares.
"Com certeza ainda tem esse tabu. Com certeza."
O Chocolate Escondido e os Hábitos Destrutivos
Quando Marcelo tá muito estressado, ele tem um péssimo hábito: comer doce escondido.
"Não é o quadradinho, tá ligado? É o barrão."
Ele sai do trabalho, compra um chocolate gigante, come, chega em casa. Passa mal. Fica letárgico. Se arrepende. Entra no ciclo da culpa.
"Mas aí você fica naquela da recompensa, sabe? 'Porra, meu dia foi uma merda, vou sair daqui e vou comer um doce.'"
E a academia? Ele sabe que exercício físico ajuda. Mas quando tá muito ansioso, a primeira coisa que ele corta são os hábitos saudáveis.
"Eu entro numa parada meio destrutiva. Não é nada a ver com álcool, com droga. Mas é geralmente com comida."
Ele sabe que não é o ideal. Mas é o que funciona pra ele naquele momento.
"Às vezes você tem que ir. Mas eu não vou ficar me empurrando. Tem um pouco também daquela coisa de você ser muito 'tapinha nas costas'. Ah, eu mereço um doce. Tá frio, não vou correr."
É uma coisa que ele ainda tá trabalhando em si mesmo.
A Solidão de Recomeçar: "É Uma Jornada Solitária"
Marcelo é tímido. As pessoas não acreditam quando ele fala isso. Mas ele é.
"Eu sou tímido com as pessoas que eu não conheço. Aquela coisa de querer fazer uma amizade nova, eu fico assim: 'Por onde eu vou? Será que a pessoa vai me achar legal?' Você vai pisando em ovos."
Ele tem amigos aqui. Mas admite: é uma vida solitária.
"Me faz falta ter um amigo. Mas eu já me acostumei. Não tenho a companhia da minha mulher, tenho a companhia de vocês aqui. Mas às vezes é um pouco uma jornada solitária."
No Brasil, ele tinha amigos de anos. Aqui, teve que começar do zero. E muitas amizades do Brasil desapareceram. Não porque alguém fez algo errado. Só a vida acontecendo.
"A gente tá 13 horas de diferença do Rio. Não dá. Se a pessoa tá no pagode duas da tarde, aqui são duas da manhã. Ela não vai te ligar quando você tá dormindo."
Ele tem um amigo no Brasil com quem mantém contato vulnerável. Aquele tipo de amizade que se você der uma merda, você liga.
"A gente se acompanha de longe há muito tempo. É uma amizade muito boa de ter."
Mas aqui? Ainda tá construindo.
"Tem 7 anos e tô me soltando ainda. E vai continuar a vida toda. O grupo de amigos vai mudando. Você vai conhecendo pessoas novas, as conversas vão ficando mais interessantes, você vai ficando mais à vontade."
Adelaide: Recomeçar de Novo (Porque Um Recomeço Não Basta)
Depois de quase 2 anos em Melbourne, trancados na pandemia, Marcelo e Bárbara decidiram: vamos pra Adelaide.
Por quê? Porque eles queriam viver. Não só sobreviver.
"A gente ficou praticamente um ano dentro de casa. Você não aproveita nada. E aí chegou num ponto que você pensa: 'Pô, tô aqui esse tempo todo, não aproveitei nada.' A gente falou: 'Vamos terminar o que a gente começou.'"
Eles chegaram em Adelaide de caminhão, com a mudança toda, sem nunca ter botado o pé na cidade antes.
A primeira impressão de Marcelo? "Cadê os prédios? Tudo casa velha. Puta que pariu, que casa velha."
Mas eles decidiram dar certo. De novo.
"Dar Certo é Ter Orgulho de Mim Mesmo"
No final da conversa, a pergunta inevitável: "O que é dar certo pra você?"
Marcelo não hesita.
"Dar certo é isso. Eu tá bem comigo mesmo. Ter sido promovido. Olhar pras pessoas e falar: 'Pô, Marcelo, você tá fazendo um trabalho bom pra caralho.' Eu falo: 'Não, tô só fazendo o meu trabalho.' Não, porra, eu tô fazendo um trabalho bom pra caralho mesmo."
Ele demorou muito pra cair essa ficha. De reconhecer as próprias conquistas. De ter orgulho de si mesmo.
"Você tem que se reconhecer. Porque se eu não fizer isso, ninguém vai fazer por mim."
Dar certo não é ficar milionário. Não é ganhar na Mega Sena (embora ele pense nisso na academia).
Dar certo é olhar no espelho e sentir orgulho da sua trajetória.
"Eu tenho orgulho do caralho da minha trajetória. Onde a gente chegou, onde a gente quer ir. Demorou muito pra cair essa ficha de falar: 'Caralho, legal. Consegui. Estamos conseguindo.'"
A Mensagem Final: Você Não Tá Sozinho
Se você é homem e tá lendo isso, saiba: tá tudo bem não estar bem.
Tá tudo bem fazer terapia. Tá tudo bem tomar remédio pra ansiedade. Tá tudo bem pedir ajuda.
Homem também quebra. E não tem nada de errado nisso.
Se você tá na Austrália e precisa de ajuda:
Lifeline: 13 11 14
Beyond Blue: 1300 22 4636
MensLine Australia: 1300 78 99 78
E se você é imigrante passando por isso, saiba: você não tá sozinho nessa jornada solitária.
Às vezes, falta só uma pessoa abrir a porta pra você. Às vezes, você precisa de 20 segundos de coragem insana. E coisas boas acontecerão dali.
Como disse Viola Davis: "O que separa as pessoas das conquistas são as oportunidades."
Falta oportunidade. Não falta trabalho. Não falta conhecimento. Não falta vontade.
E quando a oportunidade chegar, você vai estar pronto. Porque você decidiu dar certo.
E você? Já sentiu essa solidão? Já passou por ansiedade no processo de imigração? Compartilha aqui nos comentários. Vamos criar um espaço seguro pra falar sobre isso.
